quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ser...*

Naquela manhã, abri meus olhos e o primeiro pensamento do dia foi o seguinte: quem sou eu? Como não poderia deixar de ser, um pensamento paradoxalmente simples e complexo desses deveria ser seguido por alguns outros não menos esquisitinhos, tais como: o que estou fazendo aqui? Qual minha função, meu dom, neste planeta? Qual será a herança que deixarei para a Humanidade?

Assim, me levantei...E...

...tive minhas lágrimas (claro, como não derramar nenhuma após constatar a mediocridade de minha existência?) gentilmente beijadas por um pequeno ser que habita minha tenda, um pedacinho da selva, minha tigresa em miniatura...Com seus grandes olhos azuis, me encarou. Sem pedir licença, saltou em meu colo e me consolou com seu ronronar...

...antes de sair de casa, recebi um longo abraço e um beijo carregado de bons desejos da mulher que me ensinou a essência do sentimento fundamental pro encontro com a Felicidade, que é o Amor; a mulher guerreira, forte e frágil; a mulher que me ensinou o sorriso, a humildade, que me carregou nos braços e agora sou eu quem a carrega...

...no caminho para o trabalho, olhei pra cima e, em meio à fumaça , vi o meu regente, brilhando fiel, emanando Luz, Energia e Alegria; a despeito das buzinas, ouvi canções, sinfonias aéreas, partituras indecifráveis, centenas de pequenas vozes, cortejando a alegria de viver; brotando do asfalto, uma pequena flor, cor de maravilha...Haveria cor mais apropriada? Vinha de dentro do chão, abrindo caminho e quebrando barreiras. Colocando muita vida no cinza, que ficou pequeno, tadinho...

...durante aquele dia, vi uma jovem mulher, bela como não poderia deixar de ser a juventude, descobrir O Belo no olhar de outra mulher, uma desconhecida, já não tão bela e nem tão jovem; vi dois cães companheiros nas frequentes esbórnias noturnas se encontrarem numa praça e se saudarem como se não se vissem havia muitos anos! Vi o sorriso sem dentes de um bebê que, por sobre o ombro da mãe, me olhava e via "não sei o que" na ponta do meu nariz...

...ao voltar pra casa, fui recebida por uma garotinha que, sem saber ainda do orgulho, da polidez, do comedimento os quais nos castram tão logo aprendemos a ser gente grande, veio correndo em minha direção, pulou em meus braços e contou detalhes do seu dia agitado: desenhos coloridos, diálogos fantásticos com uma boneca de pano, histórias de príncipes e princesas...que Paz ouvir aquela vozinha, sentir aquele confortável abraço com enormes braços curtos...

Naquela noite, me deitei, fechei meus olhos...Lembrei da mestra Clarice...Adormeci com o derradeiro questionamento: que diabos eu preciso tanto entender? Viver...Simplesmente viver...

Betty Lou**

* Texto escrito há cerca de dois anos, quando meu cotidiano, gentilmente, me mostrou que a Gratidão, a Gentileza, são mesmo como aqueles insetinhos, as joaninhas...
** Meu ID

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Descoberta do Broto

Conheci aquele lugar muito por acaso. Após assistir à apresentação de uma amiga que se formava no curso de ioga, estava procurando um lugar para almoçar. Subi a Rua São Joaquim e vi um comércio bem pequeno, estreito. Na entrada, alguns cartazes divertidos dizendo que ali comia-se bem e a comida era saudável. Entrei. Descobri que os pratos eram vegetarianos e percebi não ser por acaso minha atração por aquele ambiente. Já não comia carne havia um tempo razoável. Vi no cardápio que o prato do dia era paella. Hum! “Paella sem peixinho? Sem franguinho?? Vou experimentar!”. Morta de fome, pedi que me servissem. Li algumas revistas disponíveis no local enquanto esperava. Fui atendida rapidamente e, quando o prato foi colocado sobre minha mesa, ai! Me dei conta de um probleminha básico: o local não aceitava cartões, somente dinheiro, e eu não possuía nem um centavo no bolso. Olhei para o dono do restaurante, um homem com um semblante extremamente sereno, e pedi que me confirmasse se realmente não aceitavam cartões no estabelecimento. Ele sorriu para mim e, sem responder à minha pergunta, disse com uma sinceridade e uma serenidade de acalmar uma capivara no cio: “Fique tranquila! Coma sua comida, se alimente, depois vemos o que pode ser feito. Aproveite a refeição!”. Fiquei chocada! Nesses nossos tempos, quando é que testemunhamos reações desse tipo? Na maioria dos lugares, eu provavelmente seria encarada como uma golpista, receberia olhares desconfiados e continuaria com fome...Mas não naquele lugar...Havia amor ali...Seguindo a recomendação daquele moço sorridente, comi tranquila, sentindo o sabor de cada grãozinho, o aroma de cada tempero...Hum! Que delícia! Prato bonito, gostoso e nutrido de carinho e gentileza...Para mim, esta poderia ser  a definição de banquete...
Mas o prato terminou...E meu problema continuava. Levantei, fui até o balcão e ele ainda sorridente. Na verdade, se estivesse sério, ainda assim sorriria...Seu sorriso vinha dos olhos, de sua sobrancelha, sua postura, da maneira como falava com as pessoas. Definitivamente, uma pessoa gentil! Falei novamente que estava sem dinheiro e ele me indicou um local próximo onde poderia sacar o valor da refeição. Disse a ele que iria correndo providenciar o pagamento e ele, muito traquilamente, me disse: “não precisa correr, não....Vai passeando, contemplando o caminho...”. Sorri. Estava mesmo feliz com aquela situação...Fui até o caixa, com mil pensamentos na mente...Primeiro sobre a confiança desta pessoa, em me servir o alimento, sabendo que eu talvez não pudesse pagar; mais confiança ainda em dizer que eu poderia sair para procurar um lugar e sacar o dinheiro, correndo o risco de eu não voltar...Depois comecei a pensar no trabalho dele, na postura diante da vida, em servir um alimento sem vestígios de crueldade....Nas paredes do restaurante havia algumas mensagens sobre vegetarianismo e respeito aos animais. Fiquei satisfeita em ter encontrado lugar e pessoa tão especiais!
Voltei ao restaurante para, finalmente, pagar meu almoço. Além de todas as vantagens de minha descoberta, percebi que o preço ali era muito justo. Perfeito!
Me desculpei pelo possível transtorno e recebi como resposta a frase que, se eu ainda tinha dúvidas se me tornaria cliente desse lugar, ela se dissipou ali mesmo: “Eu é que te peço desculpas por não ter uma maneira mais prática de receber seu dinheiro...Espero que, ao menos, tenha valido a pena, você tenha gostado da refeição...”.
Desejei muita Prosperidade quando saí...
Claro que não parei mais de ir ao Broto de Primavera, restaurante que fica lá na Rua São Joaquim, no qual trabalha uma família linda e muito amorosa com tudo o que faz! O pai da família, aquele rapaz que me atendeu de maneira tão gentil e carinhosa, é o André, casado com a Pilar, uma mulher igualmente maravilhosa. Sempre que posso, vou visitar o lugar, comer a comidinha deliciosa que eles fazem lá.
Também quer se alimentar com amor? Vai lá, eu recomendo:

www.brotodeprimavera.com.br




Ah! Agora eles já aceitam cartões!!!

Foto: Giuliana Nogueira

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pessoa na pessoa

Quando pensei neste blog, não imaginei escrever todos os dias. Nem o farei. Tampouco pensei em escrever para milhares de leitores...Na verdade, escrevo para mim. Obviamente, ficarei feliz se souber que existem pessoas apreciando meus escritos...Mas o gostoso mesmo é poder colocar minhas viagens em algum lugar e, desta forma, tentar me esvaziar um pouco...Esvaziar a cabeça para dar espaço a novas ideias...No entanto, acredito que quando nos abrimos a algo novo o Universo acaba trazendo oportunidades ou, no mínimo, apuramos nosso olhar para aquilo que subitamente passou a ser de nosso interesse.
O fato é que hoje de manhã me veio uma cena, enquanto estava no metrô, indo para o trabalho. Eu sequer estava prestando atenção nas pessoas. Aliás, estava bastante satisfeita com o raro silêncio no trem. Lia um livro chamado Conversando com Deus, emprestado pelo Meu Amor há algum tempo. Mas a leitura foi interrompida pela voz de um senhor que havia entrado no metrô na estação anterior. Uma voz forte e grave. Percebi, sem olhar diretamente, que ele era alto e grisalho. O rapaz sentado ao meu lado (e não era assento reservado...) prontamente levantou-se e, sorrindo, cedeu lugar ao senhor. Puxa! Atitude encantadora...Diante de tal gentileza, o senhorzinho começou a comentar, de uma maneira um tanto quanto desconexa, que aquilo era uma atitude...Nossa! Sem explicação! Ele não achava as palavras...Por fim, disse que era uma atitude de “primeiro mundo”. Senti um misto de diversão e decepção...Afinal, será que é mesmo tão difícil acreditar que a bondade está mais próxima do que imaginamos? E, por outro lado, no “primeiro mundo” deve haver gente bem mal educada também...Ele, então, sentou-se no banco recentemente vago. Continuei lendo, distraindo-me vez ou outra pela fala do cidadão, que comentava a respeito dos novos trens da linha Verde, elogiando e perguntando-se se aquilo era mesmo o Brasil...Pessimista, temia, em sua conversa com os amigos imaginários, o ataque de “grafiteiros” aos trens tão novinhos e bonitos.
Após algumas estações, ele resolveu falar com alguém que estivesse presente, de carne o osso, e não com espíritos que o acompanhavam desde sabe-se lá quando e onde...E eu era a pessoa mais próxima dele... “Será que posso te interromper um pouco, a sua leitura?”. Olhei para ele, mas confesso que preferia não ter sido abordada por aquele homem. Ah, mas você prega a gentileza, o amor e respeito ao próximo. Claro! Escrevo e falo para mim também! Quem disse que já não estou contaminada pelo preconceito que paira entre todos nós, pelo medo de ser atacada verbal ou fisicamente por um estranho, pela impaciência que não nos permite criar novos laços? Sim, eu tive medo...Mas ouvi. Ele apontou para o livro em minhas mãos e disse que quem escreve em páginas amareladas como aquelas são pessoas...Pessoas...Ele apontou para a própria cabeça, numa mímica que eu entendi como  inteligência ou sabedoria. “Você leu o Jornal X...hoje?”, ele continuou.  Neste momento, tive vontade de dizer a ele que não gosto do jornal citado e já terminar aquela conversa por ali, mas apenas fiz que não com a cabeça. “Pois bem, havia uma coluna hoje falando de Fernando Pessoa, você conhece? Gosta?”. Ah! Ele conseguiu prender minha atenção! Não, não fale de Fernando Pessoa perto de mim se não quiser que eu me apaixone por você...Ele não disse mais nada. Apenas fez uma expressão de satisfação e continuou em seus devaneios, até a estação Paraíso, onde ambos descemos. Eu atônita; ele, na dele, naquela conversa com a turminha invisível...Esperou que todas as pessoas a sua frente saíssem e entrassem do vagão para depois seguir adiante; deu passagem para mulheres na escada rolante...E eu pensei que o raro e belo moram mesmo onde menos esperamos encontrá-los.
Como disse minha amiga G., a gentileza é como uma joaninha...Precisamos ter olhos atentos para enxergá-la, porque é tão pequenininha! Pode estar em muitos lugares, mas nem nos damos conta de sua existência. Mas ela é tão bela, tão colorida e brilhante que, quando a enxergamos, puxa! Nosso dia muda de tom!










"As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido." - Fernando Pessoa

domingo, 17 de abril de 2011

Por Gentileza!

Já faz algum tempo que venho percebendo uma dinâmica um tanto quanto cruel no cotidiano da cidade de São Paulo...Digo isso porque não sei se o mesmo ocorre em outras cidades, vivo aqui, nunca morei em outro lugar, desde que nasci. Lembro que, num determinado momento de minha vida, quando comecei a "virar mocinha", percebi como as pessoas com quem eu me deparava nos lugares públicos agiam guiadas por uma espécie de competição, de raiva represada. Aquilo era estranho pra mim, pareceu-me que, de um dia para o outro, surgiu um ódio generalizado, a prática da não tolerância. Nesse mundo cada vez mais louco, cada vez mais rápido, mais bruto, notei que as manifestações de gentileza foram tornando-se cada vez mais raras...O que deveria ser o básico para a sobrevivência e boa convivência, passou a ser artigo de luxo. Por isso, quando vejo, por exemplo, uma pessoa dando seu lugar a uma mulher grávida no metrô (independentemente desta pessoa estar ocupando o banco reservado a gestantes - o que, na minha opinião, nem deveria existir, pois o bom senso é que deve guiar a atitude de cada um e todos os lugares deveriam, a priori, ser concedidos a pessoas em condições especiais), chego a ficar emocionada e minha Fé no humano volta a surgir...Por isso o nome "lente da gentileza". Porque creio ser possível observar o mundo com um novo olhar, sim!

Por isso, resolvi colocar aqui neste espaço as histórias de gentileza com as quais me deparo no dia a dia. Para que fiquem registradas, para que eu mesma não esqueça delas, volte aqui quando estiver acreditando na existência apenas da maldade e do egoísmo. Quero poder lembrar que um mundo mais humano e leve é possível.  

Também tenho um carinho especial pela história do profeta Gentileza e não poderia deixar de citá-lo aqui, pois, de alguma maneira, foi esta história também que me inspirou a criar este espaço:




Em dezembro de 1961, na cidade de Niterói/RJ, houve um incêndio no circo Gran Circo Norte-Americano, considerado uma das maiores fatalidades em todo o mundo circense. Neste incêndio, morreram mais de 500 pessoas, a maioria crianças. Seis dias após a tragédia, José Daltrino - o Profeta Gentileza - acordou afirmando ter ouvido "vozes astrais", que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. O Profeta pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói, local que um dia foi palco de tantas alegrias, mas também de muita tristeza. Aquela foi sua morada por quatro anos. Neste ambiente, José Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar "José Agradecido", ou simplesmente "Profeta Gentileza".
Após deixar o local, que foi denominado "Paraíso Gentileza", o Profeta começou a sua jornada como personagem andarilho. Durante a década de 1970, percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem seu caminho. Aos que o chamavam de louco, ele respondia:

"Sou maluco para te amar e louco para te salvar".


O texto acima é uma adaptação de rápida pesquisa feita no Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Profeta_Gentileza). Segundo este mesmo texto, há relatos de pessoas que alegam ser o Profeta uma pessoa bastante agressiva e a imagem formada dele ao longo dos anos não corresponde à realidade, segundo os que o conheceram pessoalmente. O fato é: sendo Gentileza um louco agressivo ou não, existe um exemplo de Amor ao próximo que não pode ser negado. Se pensarmos em sua renúncia à vida comum que levava e sua dedicação em pregar o Bem, todo o resto fica pequeno.

Sigamos o exemplo dessa lenda. Vivamos com um pouco mais de gentileza. É mais gostoso!