sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Para a Primavera

Lá estava ela...A moça, que se acreditava princesa do reino das flores, se percebe órfã, sem reinado. Uma vida inteira cuidando de seu jardim, semeando, podando, adubando...Adornando com flores coloridas a terra outrora infértil. Trabalho árduo. Para ela, vital. Vez em quando, uma erva daninha...Outras vezes, pragas invadiam a folhagem e tiravam das flores todo o perfume, a beleza, o frescor...Elas ficavam murchinhas, sem vida, uma tristeza só! Mas a moça não cansa! Trabalha como formiguinha, busca novas formas de acabar com as safadinhas que tentaram destruir seu jardim e previne a invasão de próximas enfermidades. A moça é forte! Aquele jardim é tudo para ela...Sua vida, sua meta. Ela sabe que nem sempre irá florir, mas espera pacientemente pela Primavera. E nisso encontra a beleza da paciência...Mesmo que hoje esteja tudo seco, sem cor...Ela tem a certeza da mudança de estação! Ela sabe que, em alguns meses, tudo volta a ficar alegre e suave...Imagine se, em momentos de secas e pragas, ela se apegasse apenas ao agora? Tristeza...
Mas um dia veio o ciclone. Afortunadamente, seus vizinhos, prevendo o caos, a convidaram para abrigar-se em sua casa, lá havia lugar especialmente preparado para estas fatalidades. Ela precisava sobreviver, mas estava num dilema: e seu jardim? O que seria dele? A catástrofe era inevitável...Mas ela precisava garantir ao menos a sua sobrevivência.
Passada a tempestade, ela volta para casa...Seu jardim? Não é mais...Seu arco-íris na terra estava destruído...Nada mais de flores, nem um galinho seco pra contar estória...E sua roseira...Sua predileta...Agora era só memória...
Ela deita na terra revirada, ela descansa sobre o caos. Chora. Tudo em vão. Sente a impotência, a tristeza. Viveu por suas flores. Mas vem algo Maior que sua dedicação e lhe mostra o quanto ela pode se sentir insignificante. Sim...Ela se percebe um nada...Assim, "como quem partiu ou morreu". Passa horas assim. Pensa em sua estória. Em tudo o que viveu. Em todos os esforços que dedicou à preservação de suas flores. Que faria agora? Pensou em desistir. É, iria desistir. 
Ela adormece...Não sabe por quanto tempo esteve dormindo. Mas acorda com uma forte luz sobre seus olhos. Os abre com dificuldade e demora a identificar a imagem luminosa...Disforme. Uma luz cor de violeta, apenas. Está bem perto. Passeia sobre seus pés...Suas pernas...Seus braços...Sua cabeça. Se demora mais sobre seu coração e a moça sente uma força sobrenatural. Levante um pouco o pescoço, olha em seu entorno, percebe tudo ainda destruído. Mas sua sensação é outra...Não mais resignada. Sente brotando dentro de si uma vontade imensa de recomeçar! Suas pernas estão fortes, seus braços também! Ela quer seu jardim de volta! E sabe que só depende dela reconstruí-lo. 
Aos poucos, vai se levantando...Permanece sentada alguns segundos...Direciona seu olhar àquela luz e percebe que, no meio daquela imagem iluminada, existe um ponto escuro e pequenino. Tem o impulso de tocá-lo e assim o faz. Encosta naquele pontinho do tamanho de um feijão, pinça com seus dedos e o traz para si. Sim, é uma semente...Ela conhece bem aquela semente...
É o que ela tem agora: a terra para fertilizar, o sol e a chuva para fazer brotar e, nas mãos revigoradas, segura, cuidadosamente, a semente de sua roseira.

*Fatos recentes livremente interpretados nessa estória. Agradecimento especial à Chico Buarque e sua Roda Viva e à menina desconhecida que me presentou com músicas religiosas, afirmando, sem nunca ter me visto, que "tudo vai dar certo". Esse texto é dedicado à sua gentileza.